Desde as últimas semanas vivemos o que muitos chamam de "a festa da democracia". O nome é uma remissão ao direito garantido na Constituição brasileira na forma de um dever, o Artigo 14 da referida Carta de 1988. Ali diz que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos. É o único vestígio, em nossa sociedade, de que todos sejam iguais perante a Lei! Apenas uma ilusão.
O Diário da última segunda-feira noticiava que, dos 21 vereadores eleitos, 10 vão legislar pela primeira vez, e outros três já exerceram a vereança. Apenas quatro mulheres! Menos de 20%, menos de um quinto da representação é preenchido pelas mulheres.
Muita gente de pele clara e descendentes de famílias tradicionais e de caciques da política local ou apoiados pelos setores mais reacionários empresariado regional. As pretas da periferia, nem fazendo o dobro ou o triplo dos votos da elite branca e masculina, conseguem sua vaga na "casa do povo". Uma verdadeira mistificação.
Dizem que a culpa é do quociente eleitoral, e, sim, é verdade. Ele é um modo, um dispositivo do poder, para o próprio poder constituído reproduzir a si próprio. Reconduzir reiteradamente ao poder a elite branca e masculina que governa a cidade desde sempre; mudando nomes, mas não sua lógica interna, alterando a forma, para manter intocado seu conteúdo.
Nesses termos, então, cumprimos, no último domingo, o ritual da repetição bienal do sufrágio. Rito essencialmente alinhado ao Espírito de Tancredi, o notável personagem obra "Il Gattopardo" (O Leopardo), obra-prima em forma de romance, postumamente publicado, em 1958, de autoria do italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1896-1957), ao dizer: "É preciso que se mude alguma coisa para que tudo permaneça exatamente como está". Mudam-se alguns nomes, para que o poder continue intocado, nas mãos de quem a sempre pertenceu, mas legitimado pela ilusão de uma grande "festa", para a qual, as pretas e pobres da periferia, não tem permissão de acesso.